segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Santo

Este miúdo que chorava tanto por tanto pouco, ao ponto de nos deixar todos nervosos, irritados e às vezes meios loucos, tem-se revelado um Santo nestas férias. De manhã tento levá-lo para a praia a meio do Mickey e ele vai, todo bem disposto. A água do mar está demasiado fria para tomar banho, encho-lhe um balde com água e ponho debaixo do guarda-sol e ele (salvo uma excepção), lá vai. Temos de vir embora da praia e ele deixa-se vestir, calçar, arrumar tudo e vai. Vou buscá-lo para lhe dar banho quando está a brincar com os primos e ele dá-me a mão e vai (em casa atirava-se para o chão se estivesse entretido com alguma coisa). É preciso mudar-lhe a fralda e ele vai, à minha frente, a dizer "cocó, xixi" (antes era uma birra por cada fralda). Digo-lhe que o vou deitar e ele vai para o quarto, começa a descalçar-se sozinho. Antes era preciso adormecê-lo ao colo, agora adormece na cama, sozinho (à hora da sesta também). Deixou de acordar a meio da noite. Ele, que nunca dava beijos a ninguém, agora dá beijos a toda a gente (hoje, numa loja, uma senhora pediu-lhe um beijo e ele deu).
Agora mesmo (e isto também é um verdadeiro milagre) estou ao computador e ele está a brincar, não me puxou para sair daqui nem se quis sentar para mexer nas teclas todas (o que me levaria a ter de sair de qualquer forma). E eu estou muito muito contente, embora ache que parte deste comportamento-livre-de-birras se deve às férias, à fuga à rotina, aos passeios que dá na rua, às pessoas que tem à volta dele, à mãe sem a cabeça ocupada, sempre disponível, que não lhe diz "agora não, tenho de fazer o jantar" ou "espera um bocadinho, estou a lavar a loiça", ao mesmo tempo que pensa "ainda tenho de pôr a roupa a lavar, de passar a ferro, preciso de preparar o almoço, de fazer sopa, de decidir o que vai ser o jantar de amanhã, tenho de aquecer o leite, deixar o biberão lavado, e também tenho de dormir e ir trabalhar".

P.S Agora mesmo, enquanto eu escrevia que estava um verdadeiro Santo porque até me deixava escrever, o pestinha esteve na varanda, aos saltos na água deste dia horrível de chuva que não pára. Molhou as únicas calças, a única camisola de manga comprida e as únicas sapatilhas que lhe trouxe para esta estadia que devia ser de quatro dias mas que se prolongou. Agora está de calções e na linda figura de sandálias com meias. Ralhei-lhe mas ri-me, porque também não quero um filho à prova de asneira.

domingo, 15 de agosto de 2010

Tenho um bocadinho de saudades

mas mesmo só um bocadinho. Porque aquele bebé rechonchudo de há um ano e do tempo que ficou atrás disso chorava que se fartava. Chorava imenso quando nasceu por causa das cólicas e deu-me dias infernais de licença de parto, comigo sozinha em casa e ele a chorar o tempo todo, a adormecer um bocadinho e a acordar a chorar, eu sem saber o que lhe fazer, sem tempo para comer, para ir à casa de banho, para descansar, era uma vida vivida em suspenso, sempre com um medo enorme daquele choro. De noite até nem chorava muito, mas havia de acordar pelo menos duas vezes para mamar. E eu aterrava na cama mas não tinha tempo para dormir, e na verdade também ficava em suspenso e despertava se ele não acordasse (ele acabaria por acordar sempre, só que às vezes era mais tarde). Lá para os cinco meses a coisa melhorou (a parte do choro do dia, porque o acordar para comer durante a noite foi até aos 18 meses), mas na verdade ele chorava muito. Andei a ver as fotografias destes 21 meses e percebi que, para aí até aos 15 meses, mais ou menos quando se começou a fazer entender, este rapaz foi um chorão. Chorava se o metia no parque, chorava se o deixava muito tempo na cadeira de comer, chorava nas viagens de carro, chorava porque eu não o deixava fazer o que queria (trepar para cima da mesa, mexer no armário da casa de banho, abrir a água do bidé e molhar-se todo), chorava não sei porquê, e o colo só resultava se fosse dado de pé. E eu, ainda que menos um bocadinho, continuei mesmo depois das cólicas a viver com aquele medo dele a chorar a qualquer momento. Era uma angustia, parecia que andava sempre em bicos de pés para não despertar a fera. Agora passou. Ele continua a chorar, e faz birras de se atirar para o chão, mas agora percebo (a maioria das vezes, pelo menos) porquê, e isso tirou-me o peso que tinha no peito. Portanto tenho saudades mas só mesmo um bocadinho, porque agora é muito melhor. É muito melhor tê-lo a dar-me beijinhos, a avisar-me "cocó, si-si" quando lhe digo que vamos sair, passear com ele pela mão (ainda que ele tente, tantas vezes, caminhar sozinho) , sentar-me com ele no sofá a ver desenhos animados, vê-lo a brincar e falar com os bonecos como se inventasse histórias, observá-lo a comer sozinho, rir-me quando ele põe o prato para o lado e pede "manã" (banana) com ar autoritário (mas depois não chora quando lhe dou outra coisa).

Há um ano

ele era um bebé redondinho, rechonchudinho, gatinhava por todo o lado, agora tem ar de rapazinho e ainda nem tem dois anos. Em fevereiro já andava mas ainda era uma bolinha com pernas, todo redondinho, enchouriçado na roupa de inverno, e agora continua grande e forte, mas olho para fotos de julho e já vejo um rapaz a brincar na piscina com o pai... Há um ano era preciso carregá-lo para todo o lado, sempre com ele ao colo, põe no carrinho, tira do carrinho, fecha o carrinho, mete o carrinho na mala, agora só quer andar sozinho pela rua, sem dar a mão aos pais, já entra em casa e sobe os degraus sem ajuda, e enquanto ninguém está a ver também sobe sozinho para as prateleiras cheias de pó que os amigos têm na varanda.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A verdadeira revolução feminina

acontecerá no dia em que inventarem detergentes que tirem as nódoas da roupa na lavagem da máquina. Que não nos obriguem a lavar, começar a passar e perceber que é preciso voltar a lavar, mas antes disso é melhor esfregar com sabão, pôr uma gotinha de detergente da loiça, deixar de molho, passar por água, torcer, e se calhar fazer tudo outra vez porque mesmo assim a coisa não sai. E também no dia em que inventarem um máquina que passe a ferro sozinha - uma bimby da roupa, isso é que era. E, já agora, também era útil que uma máquina qualquer pudesse aspirar a casa e limpar o pó. Até lá, não me lixem, continuaremos a ser domésticas, mesmo que trabalhemos fora.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

33

Não foi um dia perfeito (nunca é), mas teve aquele fim de tarde no parque da cidade, com o joão a dizer "mamã" (e "papá") como quem diz gosto de ti, a chamar chê jé (senhor josé) como quem anuncia "olha o que eu sei dizer", a pedir "tiás" (muitas bolachas come aquele miúdo) e a besuntar-me as calças com os restos , a empoleirar-se no pai deitado na relva, a aninhar-se nas minhas pernas, a deslumbrar-se com a erva que lhe entrego para a mão, a enfiar-se no meio dos patos, dos gansos, das pombas e das gaivotas como eu nunca tive coragem. E ainda teve o jantar, uma hora e meia sentado na cadeira entretido a deixar-nos comer sem pressas, portou-se mesmo bem. E teve aquele copo de vinho que me descontraiu como eu estava a precisar. E o anel, que me ficava mal de manhã, nos dedos inchados e ainda dormentes, pouco passava das 8h e já o miúdo me queria arrastar para fora da cama - mas agora acho que é o mais lindo do mundo.

domingo, 8 de agosto de 2010

Na praia

Li isto http://missdezembro.blogspot.com/2010/08/o-melhor-do-mundo.html (sou uma nulidade a fazer estas ligações, lamento) e lembrei-me da minha figura, há uma semana, na praia sozinha com o joão. Ele levou a mochila dos baldinhos e pázinhas e moinhos e forminhas às costas, eu carreguei o guarda-sol (já nem eram bem horas de irmos para a praia, quase 11h30), o pára-vento (não se podia estar sem ele), a mochila com as fraldas, toalhitas, pomada para o rabinho, bolachinhas, garrafinha de água, muda de roupa e porta-moedas para o caso de ser preciso, o saco com as toalhas (não, já não cabia na mochila) e o miúdo pela mão. Fui-lhe buscar um baldinho com água, assim brincas quietinho à beira do guarda-sol e eu fico sossegada. Mas não: olha que te molhas, sim, eu faço o castelinho, e o peixinho, e o cavalo-marinho, e agora tudo outra vez, molhaste a t-shirt toda, está frio para ficares assim. Hum, temos de a tirar, mas o balde ainda tem água, se a despejo vais fazer birra, tens a areia toda colada ao corpo, como é que eu te vou levar daqui para fora? Aqui vai a água, oh, já não há, dá cá essa camisola, toma lá esta t-shirt seca, brinquedos molhados e cheios de areia todos para dentro da mochila dos brinquedos, fecho o guarda-sol, deixa estar isto, joão, não mexas, enfio o guarda-sol no plástico que se está a desfazer, anda cá, joão, toalhas para dentro do saco, aí não se mexe, joão, mochila às costas, guarda-sol num ombro, saco das toalhas no outro, o pára-vento a esvoaçar, deixa estar joão, ainda te magoas, amasso o pára-vento de qualquer maneira, anda cá ao colo joão, mais 15 quilos de bebé com um mochila de brinquedos às costas no meio desta tralha toda não é nada.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Genética

Devo ter um gene trocado, uma anomalia genética, um defeito profundo que não me permite entender-me com a minha mãe. Isto acontece sobretudo quando ela está com a minha tia, o que acentua a possibilidade de eu ter um erro qualquer nos cromossomas. Se falo é porque vejo problemas em tudo, e nunca consigo falar de maneira a que ela diga "eu compreendo", "eu percebo a tua perspetiva" ou "tens razão". Se fico calada, fica aquele silêncio, aquela sensação de que andamos todas a engolir as palavras, que parece que só a mim me incomoda. Ela ajuda-me imenso, liga todos os dias a saber se está tudo bem, cuida do joão, fica com ele se tenho de trabalhar ou se decidimos ir para fora, compra-me frigideiras sem eu lhe pedir nada porque vê que as minhas estão um nojo e arranja-me palmilhas para uns sapatos largos porque sabe que eu vou andar meses para as comprar... Mas, mesmo quando faz estas coisas todas e muitas mais, eu fico a sentir, quase sempre, que fiz qualquer coisa mal... que devia ter agradecido mais, que não devia ter pedido, que devia ter comprado a frigideira, a palmilha, que não a devia ter incomodado... Eu gosto de estar com ela, só gostava que ela me fizesse sentir que gosta de estar comigo. E se isto fosse uma conversa entre nós, ela ia dizer que eu é que não a faço sentir apreciada. Receio bem que nunca consigamos sair desta pescadinha-de-rabo-na-boca.